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segunda-feira, 15 de julho de 2013

É ela, a indesejável de todos ... (Boi Morto)


Boi Morto

Como em turvas águas de enchente,
Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente
Divido, subdividido,
Onde rola, enorme, o boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

Árvore da paisagem calma,
Convosco – altas tão marginais!
Fica a alma, a atônita alma,
Atônita para jamais.
Que o corpo, esse vai com o boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

Boi morto, boi desconhecido,
Boi espantosamente, boi
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto,

Boi morto, boi morto, boi morto.

(Manuel Bandeira)

O pensamento escrito na imagem sempre me deixou intrigada porque muitas vezes, inquieta, penso que a vida é um sonho e que um dia acordarei. 

Um sonho oscilante entre a beleza momentânea e o interminável pesadelo. De fato, quando temos um pesadelo, ele parece interminável.

Na poesia de Manuel Bandeira, a morte é um tema constante. A primeira vez que li este poema "Boi Morto" não consegui entender - foi preciso ler e reler. 

O poema é subjetivo e nos leva a refletir sobre o tema comum a todos nós: a morte. 

Já na primeira estrofe, percebemos a comparação feita pelo eu lírico entre a vida e as águas turvas:  
 "Como em turvas águas de enchente,
Me sinto a meio submergido
Entre destroços do presente ..."

A água representa a vida e nesse caso, está turva devido a enchente. Enchente aqui pode ser uma metáfora para fatos inesperados, desgostos e sofrimentos que nos desestruturam emocionalmente ao longo da vida.

Observamos ainda que a cheia e o cadáver do boi vão compor a imagem de um sujeito que lamenta o turbilhão de um tempo presente, tempo em destroços, que, assim como o rio arrasta tudo sem piedade, arrasta também o próprio ser humano no ciclo final da vida. 

Prosseguindo na leitura da primeira estrofe, encontramos o estado emocional do eu lírico:
"Divido, subdividido, Onde rola, enorme, o boi morto." 

O boi morto está aqui humanizado através da metáfora e representa o que está reservado a todo mortal.

Continuando a leitura, há uma única linha de verso que se repete como se fosse uma triste ladainha: "boi morto, boi morto, boi morto". 

Na verdade, todo o poema é musicalizado, nesse caso a vogal tônica fechada /ô/ é responsável pelo ritmo que intensifica o tom fúnebre entre as estrofes.

Na segunda estrofe, percebemos o ambiente espiritual criado pela imagem da árvore que compõe uma paisagem calma, no momento em que a alma se desprende do corpo. 

É preciso entender que na poesia de Manuel há sempre a  predominância da “carne” (corpo) e a desvalorização da alma.

Encerrando a leitura, devemos lembrar de que o perfil do cadáver do boi, descrito como "enorme" refere-se ao inchaço normal pós morte.

O boi morto, neste sentido, simboliza um desconhecido que representa a todos. E ainda tem gente que se acha melhor que os outros? 

Ninguém é eterno e no caixão só cabe o corpo, nada de bens materiais.

Beijos com sabor de mel a todos.

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