Hoje senti saudade das aulas de literatura do curso de Letras e veio à mente um poema de Alphonsus de Guimaraens que retrata fases da nossa vida: as ilusões da juventude até chegar ao auge da maturidade, tempo que, para o eu lírico, é marcado pela agonia e pelo sofrimento que se cristalizam em seus próprios sonhos. A religiosidade está presente e o gosto pela luz também, no entanto, tal luz, está no exterior, pois o interior do eu lírico, neste poema, está imerso em total escuridão no final do poema. O que me chama a atenção é o refrão do sino sempre a repetir: "Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" como se fosse um coro de igreja, bem comum na Igreja Católica. Observamos aqui a personificação, ou seja, uma figura de linguagem conferindo a um objeto sentimentos inerentes ao ser humano, não só em relação ao sino que se expressa falando e lamentando a sina do eu lírico, mas também à catedral que representa o próprio eu lírico solitário.
A Catedral
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O céu e todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino chora em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
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