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sábado, 27 de setembro de 2014

Análise da poesia - Vandalismo, Augusto dos Anjos


Meu coração tem catedrais imensas, (A)
Templos de priscas e longínquas datas, (B)
Onde um nume de amor, em serenatas, (A)
Canta a aleluia virginal das crenças. (B)

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais (C)

Entrei um dia nessas catedrais  (C)
E nesses templos claros e risonhos... (D)

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
(Eu, Augusto dos Anjos)

O poeta Augusto dos Anjos escreveu um única obra poética, Eu, publicado em 1912. Não teve o merecido reconhecimento na época em que viveu pelos temas polêmicos que escrevia, sendo temas principais: a obsessão profunda pela morte, a negação da vida material e a decomposição do corpo, daí a alcunha de o Poeta da Morte. Faleceu aos 30 anos em 1914.

Comentários
O poema acima é estruturado em forma de soneto, ou seja, dois quartetos e dois tercetos e o esquema rítmico feito nos quartetos em ABAB e nos tercetos CCD. A linguagem é formal e por isso, é importante atentar para o significado de determinadas palavras:

Vocabulário
Vandalismo - destruição
Prisca - antiga, que pertence ao passado
Nune - divindade, poder celeste
Ogiva - arco diagonal de uma abóbada gótica
Templário -  membro de uma antiga ordem militar fundada em 1119 em Jerusalém.
Gládio - espada
Hasta - lança
iconoclasta - destruidor de imagens ou ídolos. 

Comentário
Na primeira estrofe o eu lírico se refere a catedrais antigas que habitam em seu coração, sendo a divindade principal, o amor verdadeiro e essencial. Na segunda estrofe o eu lírico vai descrevendo a beleza desse sentimento que ilumina a vida. Todavia, no primeiro terceto, surge o templário que invade esse coração, uma metáfora para a paixão devastadora que domina o sentimento puro com o gládio e a lança, armas simbolizando o ímpeto do desejo carnal. No último terceto, temos o triunfo da paixão sobre o amor, refletindo o conflito do eu lírico entre o desejo carnal e o amor - o que é muito comum acontecer visto que incontáveis indivíduos abdicam do amor para sucumbir a um verdadeiro temporal da paixão. Vale frisar que todo temporal é passageiro, bem diferente do indelével sentimento do amor.  


Bom dia - paz e bem.




terça-feira, 23 de setembro de 2014

Viajando ao passado: análise - Conto de Escola (Machado de Assis)


A literatura nos permite voltar ao passado e refletir sobre costumes da época em que o escritor está inserido. Nesse conto, a história narrada tem como contexto histórico o fim do Império, a Abolição dos Escravos e a Proclamação da República.

O foco narrativo é feito em primeira pessoa:

"Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã."

Espaço geográfico - Uma escola no Rio de Janeiro.

Tempo cronológico -  1840

"O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. 

Personagens:

Pilar - o narrador protagonista da história que narra fatos acontecidos quando era criança. Podemos afirmar que não era um aluno exemplar visto que gostava de matar aula, embora fosse inteligente nos assuntos das aulas.
Policarpo - severo professor da época que usava palmatória para corrigir os alunos. Era temido por eles.
Raimundo - filho do professor. Aluno que sentia dificuldade em assimilar as lições, porém faria tudo para demonstrar que entendia do assunto porque o pai era muito mais rigoroso com ele.
Curvelo - colega de classe de Pilar e Raimundo, o delator da história.

ENREDO

O conto narra um fato ocorrido na infância de Pilar que relembra o momento em que foi flagrado pelo colega Curvelo, ensinando a lição a Raimundo que sentia dificuldade de aprendizagem; em troca dessa ajuda, Raimundo daria uma moedinha de prata ao colega. Por esse motivo considerado suborno pelo professor, ambos foram punidos duramente com doze bolos dados diante de todos, na sala de aula, causando constrangimento, dor e humilhação nos dois meninos. Isso aconteceu porque o suborno envolvia diretamente o filho do professor e o protagonista do conto que resolveu dar uma surra em Curvelo após o término da aula. No entanto, Curvelo se escondeu não sendo encontrado por Pilar.

COMENTÁRIO

Durante a leitura desse conto, vamos adentrando no universo da educação tradicional que perdurou por muito tempo nos colégios brasileiros. Logo no início do conto, o personagem Pilar não está disposto a ir à escola, antes preferiria matar aulas. Entretanto, já havia feito isso, tendo o pai descoberto e dado-lhe uma surra com vara de marmeleiro. Ao lembrar da surra, nosso personagem conclui que o melhor é ir à escola. Percebemos nesse fato uma crítica machadiana à escola que causava repulsa e motivo de evasão escolar visto que Pilar era inteligente, porém sentia-se atraído mais pelos colegas de rua do que pelo ambiente anti democrático da escola; ambiente esse onde o professor era dono exclusivo do conhecimento, não permitia questionamentos cuja autoridade deveria ser respeitada mediante o medo que incutia nos alunos através de severos castigos. Podemos notar também que pessoas como o garoto Curvelo está presente em todos os âmbitos da sociedade: dedo duro, capaz de trair os colegas apenas para ganhar mérito em cima das desgraças alheias. Quanto a atitude do professor, creio que na verdade, sentiu-se humilhado por ver que o filho não assimilava as lições que ele passava, entretanto, era capaz de aprender com a ajuda de um simples colega de sala. Por esse motivo castigou os garotos. Depois dessa punição, Pilar volta à escola no dia seguinte disposto a encontrar a moedinha que o professor jogou pela janela quando estava em fúria. Contudo, ao ver um batalhão de fuzileiros passando preferiu segui-los, matando mais um dia de aula. O conto termina com o garoto afirmando que foi justamente com Raimundo e Curvelo que teve o primeiro conhecimento sobre corrupção e delação. Concluo que Machado de Assis ficaria perplexo se vivesse nessa época ao ver o quanto a corrupção e a delação tomaram proporções gigantescas tanto na vida social quanto política e econômica nesse imenso país que é o Brasil.

Boa noite



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