Desde cedo eu adorava ler. Mas não era qualquer literatura não. Gostava de remexer uma estante velha do meu tio, lia um livro antigo de poesia, selecionava uma bem bonita e no fim da tarde,lia para meu pai. Enquanto eu lia, minha mente viajava nas imagens criadas pelo poeta e o olhar de meu pai ficava triste como a morte da tarde, enlutada pelo começo da noite. Depois de ler, ele me perguntava: o que você entendeu do que leu ? Eu relembrava todas as imagens do poema, as paisagens, afirmando a beleza que a poesia me transmitira. E esse foi o grande legado que meu pai me deixou pois quando entrei na faculdade de Letras, o bicho papão de muitos alunos era interpretação de poesia. Hoje, lembrei de um poema que li para ele, quando tinha sete anos. Bateu saudade ... Vamos recordar?
A FLOR E A FONTE (Cair das Folhas )
Vicente de Carvalho
Deixa-me, fonte! Dizia
A flor, tonta de terror,
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.
Deixa-me, deixa-me, fonte!
Dizia a flor a chorar:
Eu fui nascida no monte
Não me leves para o mar.
E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria, levando a flor.
Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu:
Ai, claras gotas de orvalho,
Caídas do azul do céu!...
Chorava a flor e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte sonora e fria,
Rolava, levando a flor.
Adeus, sombras das ramadas,
Cantigas de rouxinol;
Ai, gestas das madrugadas,
Doçuras do pôr do sol.
Carícias das brisas leves,
Que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e a da flor...
Scarlet Wind