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terça-feira, 17 de junho de 2014

GREGÓRIO DE MATOS - NOSSO PRIMEIRO POETA BRASILEIRO

(Poesia - Discreta e Formosíssima Maria) 

O primeiro poeta 100% brasileiro foi Gregório de Matos Guerra, baiano com certeza, nascido em Salvador em 1636, legítimo representante do estilo literário Barroco, contemporâneo do pe. português Antônio Vieira. Ele tinha o apelido de  "Boca do Inferno" devido a duras críticas feitas ao clero e toda a sociedade baiana não poupando autoridades reais, comerciantes, pobres, ricos, pretos, mulatos e brancos, ninguém escapava de sua língua ferina. Estamos então em pleno séc. XVII. Assim, o nobre poeta escrevia poesias líricas, religiosas e satíricas. Vamos começar deixando uma poesia que ele fez a uma freira que, por o poeta ser magrinho, o chamava de Pica-Flor, toda vez que ele passava...kkkkkkk.

Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
mas resta agora saber
se no nome que me dais,
metei a flor que guardais
no passarinho melhor!
Se me dais este favor,
sendo só de mim o Pica
e mais vosso claro fica,
que fico então Pica-Flor.

Quando falo sobre essa poesia, os alunos costumam rir muito. Mas na verdade, naquela época, Pica-Flor era o nome do passarinho Beija-Flor, o que não deixa de ser uma analogia bem inteligente do nosso poeta. Apesar desse aspecto satírico observado em muitas poesias não posso deixar de comentar que Gregório fez poesias religiosas, apresentando, de certa forma, uma contradição, pois se por um lado critica a igreja, por outro, se coloca na posição de miserável pecador, vejamos:

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
da vossa alta clemência me despido;
Antes, quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.

Essa contradição se explica porque o contexto histórico em que nosso poeta viveu foi a  Contra Reforma que a igreja fez em resposta à Reforma de Martinho Lutero. Além disso, o homem se encontrava dividido entre os valores do Renascimento (séc. XV e XVI) que valorizava o homem, dotando-o de livre arbítrio, colocando-o como centro de tudo (antropocentrismo), desvinculando-o do Teocentrismo (Deus como centro do universo). Por esse motivo, o homem barroco se vê dividido entre a religiosidade e esse valor humano advindo do Renascimento. Ao mesmo tempo que se sente livre, o homem se vê dividido entre a ideia de submissão e pequenez diante de Deus e da igreja. Isso, Gregório reflete muito em suas poesias haja vista a tentativa que havia nas pessoas dessa época de conciliar ideias antagônicas: bem/mal, Deus/Diabo, Pureza/Pecado, Espírito/Carne, etc. Nessa situação, o homem vive em conflito, pessimista, pensando na morte, afinal, de que valeria a ele usufruir da vida, se seu destino fosse o inferno, isto é, o aniquilamento da alma? Agora deixemos de lado esses aspectos, todavia foi importante explicar como andava a mente do indivíduo desse tempo para podermos entender as poesias escritas. Vamos ler uma poesia lírica do poeta:


DISCRETA E FORMOSÍSSIMA MARIA



Discreta e formosíssima Maria,

Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Trata-se de um soneto, forma fixa de poesia que apresenta dois quartetos e dois tercetos e o tema é a efemeridade da vida. Na primeira e segunda estrofe, o eu lírico elogia a beleza do rosto e dos cabelos da moça que, além de bela, é discreta, virtude que muitas mulheres não têm atualmente e certamente nem naquela época. Ainda no segundo quarteto, é importante salientar a presença do deus grego Adônis cuja intenção do eu lírico é salientar que enquanto a Maria for jovem deuses, ou seja, homens belos, não faltarão para cortejá-la. Já no primeiro terceto, aconselha a aproveitar essa fase porque o tempo passa depressa e acaba matando sem piedade toda a beleza da flor da juventude e aí, adeus paqueras. Na verdade, cada vez que leio essa poesia vou descobrindo verdades bem coerente com a nossa vida, verdades duras, porém reais, basta ler o último terceto para entender  que a morte é mesmo o nosso destino: 


Oh não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

Magnifica poesia em que o eu lírico faz uma comparação entre a juventude e a velhice que nos aguarda. A Maria desse poema era a esposa do Gregório de Matos. Fiz essa interpretação a pedidos. Uma linda noite a todos, por aqui está muito suave e gostosa, bom para viajar na poesia. 

Beijos



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